Reporto-me aqui à célebre máxima de minha avó e de tantas outras, nos advertindo frente às nossas infantis e impensadas travessuras:
__ Seu pai está tiririca com você!
Eu entendia muito bem o recado da minha estimada e saudosa avó. Sabia, pela variação lingüística, que aquela palavra tinha um peso certo e uma medida mais certa ainda. Tal expressão media muito bem a indignação de meu pai com aquilo que julgava errado em minhas ações.
Já sabia que meu pai estava pronto para uma briga, preparando um bom corretivo para punir-me. Era o momento então de refletir e de avaliar os meus feitos (ou mal feitos).
Ficar tiririca, então, era estar indignado com alguma situação, era inflamar-se com algum acontecido e tomar uma atitude frente a tais incômodos.
A política brasileira, esse imenso picadeiro verde e amarelo, apesar das estrelinhas que brilham no círculo azul, há muito anda mal das pernas. Ideologias dançam na corda bamba, parlamentares cospem fogo ao vivo para todo o Brasil e o povo, como sempre, girando no globo da morte. Sobrevive com míseros e desfalcados salários, além de insustentáveis condições de vida, enquanto a classe dominante ri sarcasticamente das suas desgraças coletivas.
Fazendo parte de um verdadeiro circo armado, o respeitável público, insatisfeito com os mandos e desmandos dessa gente sem compostura, elege, como represália, o seu maior representante: um humorista, um comediante, um gozador, um palhaço! Literalmente um palhaço!
Palhaços são figuras que nos reportam à infância, a um mundo de fantasias e de ilusões, onde problemas nunca existem. Palhaços usam máscaras e mergulham numa camada de maquiagem para fugir da cara limpa que os compromete. Se escondem da realidade para provocar o riso. Palhaços se apresentam em circos e engolem o choro, enquanto o povo ri.
O Brasil tá tiririca! Seus governos e desgovernos, em todas as instâncias, não conseguem elevar o grau de satisfação do povo em suas políticas irreais e este mesmo povo cai nas graças de propostas indecentes e incoerentes, fantasiosas e longe de atenderem às reais necessidades da população. Não dá pra ficar de outro jeito a não ser “tiririca”!
Eleger Tiririca como representante não significa falta de consciência política pois o mesmo, ainda que analfabeto, pode significar algo melhor do que os letrados podem oferecer. Não é a arte do nobre humorista que vem ao caso, nem tampouco a sua tão falada e duvidosa escolaridade. Além da falta de opção, representa uma verdadeira e pulsante indignação com a farsa explícita que se apodera dos altos escalões dos governos.
O povo, cansado dos desmandos a que é submetido, não vê outra solução a não ser destinar a sua vida ao riso, à palhaçada, à comédia, às palmas. Elegeu um palhaço para dividir o palco porque não agüenta mais servir de chacota ou de deboche para quem detém o poder. Não suporta mais ser palhaço sozinho….
Sinto-me envergonhado por ter de viver num país onde quem manda não leva seu povo a sério, onde políticos tratam a coisa pública como a “privada”, onde eleger representantes virou um espetáculo circense!
Fábio Gonçalves – escritor, poeta e professor
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