Quando percebo que é chegada a madrugada, pelo sono sorrateiro amortecendo as minhas pálpebras, e que não há mais risos e pessoas perambulando pelas ruas, nem o tilintar dos copos no balcão, nem mesmo os acordes quase dormentes de um violão, lembro-me de ti e começo a tecer um sonho, recostado num travesseiro duro como o sacrifício da tua ausência.
Meu coração percorre as ruas, anda devagar pela avenida, dobra uma esquina, corre pela rodovia, atravessa uma porteira, desce uma serra, faz curvas, sobe ladeiras, transpõe pontes, corre feito um louco e chega quase cansado ao coração silente de uma cidade. É fria a noite. Ninguém deverá estar nas ruas a esta hora. Já não é mais dia.
Tento em vão adivinhar: “ Meu Deus, o que estarás fazendo a esta hora?”
Certamente dormes.
Meu coração perdeu o sono a tempos e agora se aproxima do teu rosto numa cama qualquer, num quarto qualquer. É sereno e não mostra cansaço. Teu sono solto faz-me aproximar. Debruço silenciosamente ao lado da tua cama e meus olhos olham os teus olhos fechados. Contemplo-o por instantes. Minha boca se aproxima da tua e fico à distância de um sussurro, desesperadamente trêmulo.
Perco os sentidos e já nem sei mais quem sou. Acabei de me desidentificar. Não há mais sentido ter sentido algum.
Ao meu afago e, sem nenhuma censura, você balbucia algumas palavras que o sono te obriga a dizer e, entre elas posso discernir perfeitamente uma sílaba do meu nome.
Minhas mãos trêmulas acariciam teu rosto, carregamento na alma a dor, o amor e o medo. Meu peito se aperta, meu corpo estremece. Ainda escuto meu coração dizer-te: “ Dorme, meu anjo, dorme!…”
Cerro a porta e saio.
Quando num ímpeto, olho pela janela entreaberta, num último e tentador desejo de contemplar mais uma vez a ternura da tua imagem e a serenidade do teu sono, vejo pela última vez, meu coração pulsando sobre o teu peito desnudo como se quisesse permanecer ali para sempre.
E mais uma vez me esvazio. Um oco interior me atormenta. Sinto-me novamente caído e o abismo se alarga. Tento não chorar, mas as lágrimas, prontas a tempos, não me pedem permissão. Deságuam-se sobre meu rosto numa tentativa quase utópica de trazer para fora um amor e uma paixão que a tempos me consomem.
Com o resto das lágrimas que me restam, rendo-me a uma única e sofrida lágrima que desliza teimosamente pelo meu rosto, cálida e profunda, como um pingo de estrelas, espremida nas bordas apertadas do meu coração selvagem e puro de fera e flor…
Fábio Gonçalves
Escritor e poeta
binhogon@ig.com.br
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