Vivemos numa sociedade marcada por lutas sociais. São tantas que perdemos a conta. Todas focam uma única meta: tornar acessíveis a todos, os inegáveis e sonhados direitos humanos.
Ser separado do grupo de amigos por causa de uma deficiência física, uma doença, a cor da pele, a textura do cabelo, a condição social ou sexual, o partido político, a religião ou a estatura é uma realidade pulsante e que merece uma reflexão à parte.
Você, caro leitor, se sentiria bem ao ser olhado pelo canto dos olhos quando se comportasse de forma diferente dos demais? Você é igual aos outros em tudo? Pensa e age como os outros? Você é uma cópia, um clone? Cópias não são originais, são repetições.
Há quem viva uma vida inteira alardeando uma opinião formada a respeito de conceitos que considera como verdade pronta e acabada. Tal noção é tão defendida que não se abre possibilidades para outras reflexões.
A limitada capacidade de reflexão e de aceitação do outro, nos leva, inúmeras vezes a criar abismos quase instransponíveis e que revelam completa ignorância e total desinformação.
Todas as idéias ou concepções que o homem tem a respeito das coisas e da vida é uma questão de educação e, como educação vem de berço, nem preciso dizer onde deveria ter começado a sua, a minha, a nossa. Os outros nos disseram coisas, a família nos ensina verdades nas quais acredita e a sociedade cobra como regra, como norma ou como modelo. Muitas dessas verdades são inegáveis. Mas há outras que se fundamentam apenas por uma repetição cultural ou por uma informação truncada ou, até mesmo por completa falta de diálogo e de diplomacia. Chamaremos isso de preconceito. Preconceito é um juízo preconcebido, que é manifestado geralmente por uma atitude discriminatória perante pessoas, lugares ou tradições considerados diferentes ou “estranhos”.
É uma forma de agredir aos outros e exaltar a si mesmo. Quando se diz que alguém é preto e o humilha pela sua etnia, deseja-se unicamente que as outras pessoas valorizem a cor da pele de quem manifesta essa opinião. Afinal, diminuindo ou menosprezando o outro, algumas pessoas conseguem “aparecer” principalmente quando não tem o que apresentar ao mundo como talento ou valor moral e ético.
Ligamos a TV ou lemos uma revista e nos deparamos com imagens quase irreais de mulheres e homens perfeitos, corpos sarados, bonitos e bem cuidados, ausência total de rugas ou marcas de expressões. Isso nos leva, muitas vezes a acreditar que só tem valor quem vive nesse padrão de beleza. O culto quase extremista ao corpo magro, sarado e definido, menospreza o que não se encaixa nesse ideal. O pior de tudo é perceber que o talento, o caráter e os valores morais ocupam os lugares mais baixos do pódio.
Uma pessoa portadora de alguma deficiência é sempre vista com indiferença. O diferente causa constrangimento. Diferenças significam, na concepção de muitos, anormalidade, aberração, discrepância. Mas ela pode ser muito mais “eficiente” do que pensam ou podem pensar os outros. Há pessoas portadoras de deficiência visual que vêem a vida de outro patamar e conseguem perceber o que a maioria de nós não percebemos. Há cegueira maior do que essa? A maioria de nós temos pernas e braços, mas muitas vezes os cruzamos e vivemos grande parte de nossas vidas sem postura, alienados e sem atitude diante da vida e dos fatos.
Vem de muito tempo atrás, a perseguição aos judeus, a escravidão dos negros, o abandono e desvalorização dos povos indígenas, a falta de hospitalidade aos que são estrangeiros. Esse preconceito étnico foi ensinado como verdade. As pessoas que o defendem não têm explicação para o que sentem ou pensam. Simplesmente não gostam e ponto final. É um parêntese fechado, sem possibilidade de diálogo.
Uma sociedade machista como a nossa, ainda acha que o homem tem que ser macho, mesmo que seja mau-caráter. A masculinidade se sobrepõe a todos os outros valores. Homem e macho não são e nunca foram sinônimos. Homem é um conjunto de valores e não um amontoado de carne que, quando morre, fede e se deteriora.
A mulher, sempre em segundo plano, vive como aquela que serve e não como parte integrante do mistério da criação e do amor. Séculos de agressões, humilhações, isolamento, desprezo, indiferença e desrespeito levaram a sociedade a criar, em pleno século XXI, uma lei para dizer (com cadeia!) que mulher é gente, que agressão é crime e que mulher, como todo ser humano, merece respeito.
Além das mulheres, os homossexuais ainda são vítimas de um preconceito velado. Piadas de gays rendem mais do que aplicar na bolsa de valores. O que mais dá ibope na mídia são os trejeitos exagerados e as “caras e bocas” que fazem os atores para interpretar o estereótipo homossexual. Os outros sentimentos como a sensibilidade, o amor, a criação artística (tão emergente na classe) não é percebida, nem é valorizada. Além de viver as próprias dores, são estigmatizados como feridas de uma sociedade que age com surdez e cegueira aos apelos do “diferente”.
Pobreza e riqueza aumentam as estatísticas e reforçam a idéia de que quem tem mais, pode mais e quem tem menos, pode menos. A desigualdade social é tão gritante que nos torna cada dia mais distantes de uma proposta de vida que foi pregada a mais de dois mil anos atrás por um homem que se deixou apaixonar por todos os outros e que amou a todos indistintamente. E nasceu pobre e morreu pobre.
Povos de todos os continentes enchem os templos, as sinagogas, as mesquitas, os terreiros, as federações e outros espaços de fé, buscando a divindade com sede e, muitas vezes com extremismo, mas saem de seus cultos preparados para bombardear, combater e aniquilar o diferente. Ninguém aceita a fé do outro. É católico criticando evangélico e os próprios irmãos de fé. É evangélico exorcizando os adeptos do candomblé e outros credos por suas práticas e seus rituais. É uma guerra santa de incompreensões, ataques ferrenhos, em nome de um Deus que é puro amor. Não dá pra acreditar que haja tanta gente falando em nome de Deus e pregando o amor, enquanto a maioria das pessoas morre doente, deprimida, drogada e sem esperança de vida. Cometem suicídios porque não são aceitas, não são amadas. Que fé é essa? Que amor a Deus é esse que divide as pessoas em religiões, partidos, gêneros sexuais e nível social?
Nosso município vive a cada dois anos, um verdadeiro terrorismo político. Além da maioria dos políticos não terem uma proposta de vida para resolver os problemas reais do povo, alimentam neste mesmo povo um ódio quase mortal que gera cada vez mais a divisão e esta traz desordem e em nada contribui para o crescimento coletivo. O partido A não pode com o partido B. Travam-se guerrilhas quase colombianas de agressões verbais e de atitudes quase selvagens e o povo aceita isso como verdade absoluta. Acredita piamente que quem pensa diferente deve ser descartado, deixado de lado, renegado a segundo plano ou até humilhado. Parece que todos têm a obrigação de pensar de uma única forma. O mundo se torna, com isso, uma cena de guerra com seres robotizados prontos para matar…
Desde muito tempo, os que freqüentaram as melhores escolas ou tiveram mais oportunidades de conhecer outras formas de aprender, se sobrepõem a quem não teve acesso a uma educação de qualidade. O conhecimento, que deveria ser acessível a todos, durante muito tempo foi motivo de divisão entre pessoas. Tão importante para a vida, torna-se hoje uma faca de dois gumes pronta para despedaçar gente.
Os jovens do nosso tempo, em sua grande maioria, acham que nunca ficarão velhos. Da forma como pensam e vivem, é bem provável que não fiquem mesmo. A estupidez, muitas vezes, os distanciam da idade adulta. Com atitudes e críticas, encaram a velhice como uma paralisia. Não respeitam os que os precederam na vida e na experiência. Reporto-me aqui à fala da personagem Laksmi, da novela global Caminho das Índias, no penúltimo capítulo: “os velhos nunca devem ser criticados”.
Quanto mais vivermos numa sociedade de pessoas diferentes, mais teremos oportunidades de aprender. Ninguém aprende o que já sabe. Saber é sempre buscar o diferente, o novo, o inédito. Com quem poderemos aprender senão com quem pensa diferente de nós? Uma caixa de lápis de cor possui cores variadas para permitir que haja beleza no traço e na criação. Já imaginou se o arco-íris tivesse uma única cor?
Cada vez que convivo com alguém diferente de mim em qualquer aspecto, mais tenho a oportunidade de ser melhor, mais sensível, mais aberto, mais compreensivo e poderei me dar bem em qualquer lugar, com qualquer outra pessoa ou em qualquer outra situação. Não terei problemas de convivência. Caso contrário, ficarei isolado do mundo e das pessoas, por não aceitá-las como elas são.
Certamente, você também deve ter algo de que as pessoas não gostem. Você não gostaria de ser aceito também? Ninguém precisa gostar de tudo e de todos, porque amar é gratuidade. Mas é nossa obrigação respeitar os que não são do nosso jeito ou não pensam como nós. Aceitar as pessoas como elas são e aprender com elas é uma sabedoria que vale a pena viver e pouca gente tem vivido essa experiência.
Quando Jesus esteve entre nós, como homem, ele só procurou as pessoas que a sociedade rejeitava. Vale lembrar aqui de Zaqueu, o cobrador de impostos; Maria Madalena, a prostituta, as crianças (que, a princípio foram afastadas dele), Dimas, o bom ladrão, os leprosos, que a sociedade expulsava da cidade e mandava para as montanhas. Acolheu a todos com amor e fê-los sentir-se filhos de Deus, nas suas diferenças.
O Reino de Deus será dos que tiverem essa cabeça aberta para o novo, para o diferente. A maior riqueza do ser humano está dentro dele e não no que parece ser aos olhos dos outros.
Você não tem culpa de pensar assim. Afinal, te ensinaram que pessoas ou situações diferentes não são aceitáveis.
Relembrarei aqui uns versos do meu amigo, o poeta brasiliense Nicholas Behr que, em sua obra “Poesília” escreveu: “ Nem tudo o que é torto é errado. Olhe as pernas do Garrincha e as árvores do cerrado”.
Preciso dizer algo mais?
Espero ter podido, com isso, mostrar para você, caro internauta, que preconceito é falta de inteligência e que aceitar e conviver com o diferente é a oportunidade de fazer o mundo melhor, mais colorido, mais humano e menos violento. Aceitar a diferença é construir um mundo mais justo e mais solidário. Afinal, você também é diferente. Te respeito, sem saber quem você é, onde está e o que faz de sua vida. Apenas te respeito. E isto basta para que haja paz entre os povos.
Fábio Gonçalves – Água Boa
Professor e escritor